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domingo, 8 de novembro de 2009

Aborto


















É justo, sob o ponto de vista moral, interromper uma gravidez?

Carlos Alberto Pessoa Rosa*

Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

É inquestionável a pressão que existe pró-aborto, principalmente por parte das mulheres - duas vezes vítimas dos valores morais. Teriam elas o direito de vida e morte sobre o ser que estão concebendo? O valor de um ser em concepção é idêntico ao do ser já existente? Devemos investir no direito ao pleno desenvolvimento de um ser que já existe, controlando a natalidade, de preferência com métodos não abortivos - mas até com eles, se necessário -, ou devemos fechar os olhos à triste realidade da superpopulação, da miséria, e dos crimes cometidos contra os mais fracos - sejam velhos, doentes ou crianças vítimas da fome?

Quando começa a vida?

Ao considerarmos o aborto a interrupção de uma vida, duas questões se colocam: que vida é essa e onde ela começa? Diante do problema, Aristóteles dividiu o conceito de vida em três estágios:
• o da vida nutritiva, comum a todos os seres vivos, que no caso humano já existe quando o sêmen, diante da coagulação sanguínea feminina, produz um embrião;
• a vida sensível, partilhada pelos homens e outros animais, menos pelos vegetais;
• a vida racional, quando, depois de 40 dias da concepção para o homem e 90 dias, para a mulher, o racional entraria no embrião.


Para Aristóteles é a presença concomitante das três formas de vida que nos permite afirmar a existência de um ser humano.

O cristianismo, através de São Tomás de Aquino, incorporou as ideias do filósofo, mas, pela impossibilidade de a ciência precisar o momento da entrada do racional no embrião, a Igreja optou por considerá-lo pessoa humana desde a fecundação, o que passou a ser a base da doutrina oficial católica.

Embriões e fetos
Recentemente, manipular embriões em laboratório permitiu descobrir que eles não são um simples agregado de células, mas que é possível saber, vinte e quatro horas após a fecundação, como as células vão se diferenciar. Séculos se passaram e não temos como determinar onde se inicia a vida, o que esquenta a discussão ética e jurídica sobre a utilização de embriões - aqui, fora do útero - pela ciência.

Alguns autores, extremamente contrários ao aborto, consideram que não há diferença entre um embrião, um feto ou um recém-nascido, como podemos verificar na opinião de J. Harris:

"... Eu espero que tenhamos alcançado o ponto no qual ficará claro que os recém-nascidos, os bebês, os neonatos têm, qual seja, o status moral dos fetos, embriões e zigotos. Se o aborto é justificável, também o é o infanticídio (...)"

O aborto e o coito interrompido são os métodos de controle de natalidade mais utilizados principalmente nos países mais pobres, como é o caso da América Latina e África. Logicamente, o coito interrompido, pela ineficiência do método, leva um maior número de mulheres à gravidez indesejada e, consequentemente, ao aborto, perpetuando o problema.

Classificando o aborto

Quanto à interrupção da gravidez, ela pode ser:
• Eugênica, como a praticada pelos nazistas que obrigaram as mulheres judias, ciganas e negras a abortarem - esta é a única forma que não leva em conta a vontade da gestante ou do casal;
• Terapêutica, para salvar a vida da gestante;
• Seletiva, para interromper gravidez quando da ocorrência de malformações fetais (por exemplo, em casos de anencefalia, quando o feto não tem cérebro);
• Voluntária, em nome da autonomia reprodutiva, quando não se deseja a gravidez, nos casos de estupro ou de uma relação consensual.


No Brasil, até muito recentemente o aborto era legal apenas em casos de estupro e para salvar a mãe. Data de 2005 a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de legalizá-lo também nos casos de anencefalia. Mesmo assim, estimou-se que o total de abortos induzidos em 1991 foi de 1.443.350 na faixa de 15 a 49 anos. Recorrer ao aborto torna-se cada vez mais freqüente entre as jovens que engravidam mais precocemente.

Em função da ilegalidade, recorre-se ao aborto clandestino, o que condena muitas mulheres à morte pelas complicações infecciosas e hemorrágicas. Na zona rural da América Latina, apenas 5% das mulheres que vivem no campo são assistidas por médicos quando do aborto. Entre as mulheres pobres urbanas 19%, chegando a 79% entre as mulheres urbanas de renda superior.

Liberdade ou transcendência

A discussão sobre o aborto passa por dois extremos: de um lado, os que defendem a ética da prática a partir do princípio de liberdade, e de outro, os que afirmam a transcendência do ser humano. Para os primeiros, a autonomia é o determinante ético maior, devendo-se respeitar a decisão do casal ou da mulher sobre o aborto, independentemente do motivo. Para os segundos, fundamentados na dimensão transcendental, a santidade da vida é o determinante ético maior, devendo-se considerar o aborto um crime.

Os debates acaloram-se, principalmente nos países pobres, onde a Igreja ainda tem um peso importante nas decisões. A realidade nesses países não só limita o poder de decisão individual em função das condições de vida impostas pelo Estado, em geral ineficaz e corrupto, como também joga as mulheres na clandestinidade do aborto que, realizado por não médicos, aumenta o risco de morte.

Abortos clandestinos

A clandestinidade abortiva é uma difícil realidade praticada no traseiro ou no centro das cidades. Quanto mais pobre a mulher, mais próxima da promiscuidade, da falta de cuidado, da utilização de instrumentos inadequados e de substâncias tóxicas, maior seu risco de morte. É de conhecimento geral que a mortalidade de mulheres que praticam o aborto é muito alto nos países onde ele é proibido.

E o que fazemos? Ao invés de educarmos para a vida, mantemos milhões no analfabetismo e na ignorância. Pior, negamos aos miseráveis o direito ao saber, à consciência dos riscos impostos pelo ato, à oportunidade de ser ouvido e encontrar soluções menos violentas. Contra ou a favor, a realidade está posta... A única certeza: a clandestinidade abortiva é patogênica.

É dever da sociedade, através de políticas eficientes, democratizar o direito à dignidade humana e oferecer instituições de acolhimento em estruturas especializadas que orientem as mulheres quanto aos métodos de controle de natalidade, permitindo-lhes suporte psicológico e social quando grávidas, para que exerçam seu direito de decidir ou não pelo aborto. Não podemos abandoná-las ao deus-dará. Não é ético, não é moral, não é justo.

*Carlos Alberto Pessoa Rosa é médico e escritor, membro da Sociedade Brasileira de Bioética. Contato: meiotom@uol.com.br

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Palestra


Esta é uma importante palestra de Julio Cabrera sobre o estado da filosofia ibero-americana, em especial, a brasileira e a argentina. Todos os alunos de filosofia em terras brasileiras deveriam assistir a esta palestra, ela contém informações e discussões valiosas para o modo como estes alunos podem pensar e encaminhar a sua formação filosófica. Chamo atenção para dois pontos: (1) a filosofia profissional brasileira, tal como foi implantada em nosso país, acovardou o nosso pretendente à filósofo a ponto de ele sentir vergonha de se proclamar como tal; na melhor das hipóteses, ele se vê como um historiador da filosofia, um professor de filosofia ou meramente um comentador de filosofia. Curiosamente, como nos lembra Cabrera, não foi sempre assim. No final do século XIX, tivemos respeitáveis filósofos. Farias Brito, Tobias Barreto e muitos outros, ainda que suas filosofias fossem falhas ou mesmo fracas. Temos de lhes dar um desconto, já que, nesta época, o acesso a livros neste país era parco e nem tínhamos ainda um sistema universitário. Muitos desses filósofos eram auto-didatas. De qualquer forma, foram filósofos, tinham atitude de filósofo. Que atitude é esta? A atitude de questionar criticamente as filosofias que estão absorvendo, seja a de Platão, seja a de Kant ou Hegel. Não só a atitude crítica, mas também e principalmente a propositiva. Eles tentaram resolver problemas filosóficos e articular sistemas filosóficos. Se obtiveram sucesso ou não, é outra questão. Mas, por esta atitude crítica e propositiva, foram genuínos filósofos. Quem olha para a robusta academia brasileira de filosofia e inspeciona a sua produção nos últimos 40 anos, não vai encontrar este espírito filosófico nas inúmeras teses, dissertações e artigos que são produzidos. Comentamos, comentamos e não cansamos de comentar. Cabrera chega a dizer: tivemos filósofos sem filosofia, agora temos muita filosofia sem filósofos. Trágica situação, que é preciso mudar. Não há dúvidas de que temos de resgatar a atitude filosófica de nossos antigos intelectuais. (2) O segundo ponto diz respeito à natureza da filosofia. Cabrera se esforça por não tomarmos a questão como fechada. Não teremos avançado muito filosoficamente se apenas substituirmos os nossos comentários sobre filósofos europeus por reflexões que visem responder problemas filosóficos herdados da tradição europeia. O ponto não é defender uma filosofia nacional, o que, ele reconhece, seria descabido. A filosofia é universal. O ponto é não tomar a tradição filosófica como estipulando limites rígidos do pensamento filosófico ou do que é filosófico. De nacionalista, apenas o seguinte: não podemos apenas importar, ou mesmo nos limitar a montar a filosofia em terras brasileiras, temos também de produzi-la e criá-la. O filósofo no extremo da autenticidade alarga criativamente os limites da própria filosofia.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Uma bela mensagem - Fernando Pessoa


"Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes, mas não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo. E que posso evitar que ela vá à falência. Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise. Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história. É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma. É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida. Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um "não". É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta. Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo..."

Fernando Pessoa
Poeta e escritor português

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

O Conceito de Valor

O conceito de valor tem sido investigado e conceituado em diferentes áreas do conhecimento. A abordagem filosófica descreve-o como nem totalmente subjetivo, nem totalmente objetivo, mas como algo determinado pela interação entre o sujeito e o objeto.
Nas ciências econômicas, a noção de valor tem uma interpretação predominantemente material. Smith propõe a analise de valor como a habilidade intrínseca de um produto oferecer alguma utilidade funcional. Já no conceito moderno, dado pelo marketing, isto é uma função dos atributos dados ao produto ou ao conjunto formado por ele e que o envolve, quando necessitamos obter-lo.
Na visão da sociologia, embora a sociologia não seja uma ciência valorativa,ela reconhece os valores como fatos sociais. No campo de análise, os valores podem surgir como um estatuto fundamental na explicação da estabilidade e coerência das sociedades ou das mudanças sociais ( Max Weber, T. Parsons ) ou podem surgir como “fenômenos reflexos” das infra-estruturas da sociedade. O valor exprime uma relação entre as necessidades do indivíduo (respirar, comer, viver, posse, reproduzir, prazer, domínio, relacionar, comparar) e a capacidade das coisas e de seus derivados, objetos ou serviços, em as satisfazer. É na apreciação desta relação que se explica a existência de uma hierarquia de valores, segundo a urgência/prioridade das necessidades e a capacidade dos mesmos objetos para as satisfazerem, diferenciadas no espaço e no tempo.
Reconhecer um certo aspecto das coisas como um valor, consiste em hierarquiza-los para tê-los em conta na tomada de decisões, ou, por outras palavras, em estar inclinado a usá-los como um dos elementos a ter em consideração na escolha e na orientação que damos às decisões sobre nós próprios e aos outros. Há os que vêem os valores como subjetivos e consideram esta situação em termos de uma posição pessoal, adotada como uma espécie de escolha (desejo) e imune ao argumento racional.
Os que concebem os valores como algo objetivo supõem que, por alguma razão – exigências da racionalidade, da natureza humana, de Deus, de outra autoridade ou necessidade - a escolha possa ser orientada e corrigida a partir de um ponto de vista independente. Os valores fornecem o alicerce oculto dos conhecimentos e das práticas que constantemente construímos nas nossas vidas. Os valores humanos são os fundamentos éticos e espirituais que constituem a consciência humana. São os valores que tornam a vida algo digno de ser vivido, definem princípios e propósitos valiosos e objetiva fins grandiosos.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

O erro de Leibniz



Num texto de 1697, Leibniz formula uma pergunta radical: "Por que há algo em vez de nada?" O seu objectivo é sustentar a existência de um deus que seria a origem da realidade. Esta ideia, contudo, precisa de ser cuidadosamente formulada, para não dar origem ao absurdo de sustentar que há algo porque Deus, que não é algo, o criou. Ao invés, a ideia é sustentar que Deus, que é algo, é eterno e não poderia não existir, pelo que assim está explicado por que há algo: porque sempre houve e não poderia não haver.
No curso da sua argumentação, contudo, Leibniz comete um erro crucial. Quando se faz a pergunta radical por ele formulada, as alternativas óbvias de resposta são as seguintes:
1. Cada acontecimento ou objecto do universo tem a sua origem noutro acontecimento ou objecto anterior, que é a sua explicação e razão de ser, ad infinitum;
2. Os objectos e acontecimentos formam um círculo explicativo, de modo que A explica B que explica C que explica A;
3. Há um algo especial — Deus — que fez tudo o resto.
Leibniz favorece 3, mas para isso tem de se livrar de 1, que pelo menos à primeira vista não é mais implausível. 2, evidentemente, não é particularmente atraente como modelo teórico da razão de ser da realidade. Além disso, Leibniz pensa ter um argumento que refuta simultaneamente 1 e 2. Acontece que o argumento está errado. Matematicamente errado.
Imaginemos que temos uma explicação da realidade nos moldes de 1. A analogia obvia a fazer é com a série infinita dos números. Do mesmo modo, os objectos e acontecimentos do universo estender-se-iam para sempre, infinitamente. Dado cada objecto ou acontecimento da série de objectos e acontecimentos que constituem a realidade ter uma explicação — apelando ao objecto ou acontecimento anterior — parece que tudo está explicado.
Mas não está, argumenta Leibniz. Fazendo uma analogia com o livro Elementos de Geometria, Leibniz argumenta que podemos explicar a existência de cada exemplar apelando ao exemplar anterior do qual foi copiado; e caso essa série fosse infinita, teríamos sempre explicação para a existência de cada exemplar do livro; mas não podemos explicar por que razão há a própria série dos livros, em vez de outra ou nenhuma. Assim, apesar de podermos explicar todos os acontecimentos e objectos do mundo apelando a acontecimentos e objectos anteriores, resta ainda explicar por que há algo em vez de nada, resta explicar por que existe a série de acontecimentos e objectos, em que cada membro é explicado por outro membro.
Este argumento está inequivocamente errado, pois exige uma explicação depois de tudo ter sido explicado. Isto compreende-se melhor se deixarmos de falar no infinito e passarmos a falar de um conjunto finito e muito pequeno, pois apesar de a mente de Deus ser supostamente infinita e sábia, a dos seres humanos é finita e dada a erros elementares. Tome-se um conjunto de quatro pessoas, em que a primeira é mãe da segunda, esta da terceira e esta da quarta. Se perguntarmos por que existe cada uma delas, a resposta é que a sua mãe a gerou. Claro que num modelo finito não temos explicação para a primeira delas. A ideia de um modelo infinito é, precisamente, haver desse modo explicação para todas, pois nunca falta uma mãe anterior para explicar a existência da pessoa posterior. O argumento de Leibniz é então admitir que numa série infinita cada membro está plenamente explicado pelo membro anterior, mas exigir explicação para a série em si. Aplicando o seu argumento ao modelo com quatro pessoas, Leibniz considera que depois de explicar a existência de cada uma delas com base na sua mãe, temos de explicar a existência da série. A resposta a este argumento é que nada há para explicar agora, excepto apelar à noção matemática de conjunto. Nada há num conjunto excepto os membros do conjunto, e como os membros não podem existir sem que exista o conjunto, explicar a existência dos membros é eo ipso explicar a existência do conjunto. A pergunta de Leibniz é o mesmo que, depois de se ter explicado a existência de cada uma das três bananas em cima da mesa, exigir que se explique a existência do conjunto das três bananas. A resposta óbvia é que já explicámos a existência do conjunto das três bananas depois de termos explicado a existência de cada uma das bananas. Mais: nada pode explicar a existência do conjunto das três bananas excepto o que explica a existência de cada uma das três bananas. Não é como se Deus pudesse criar três bananas em sucessão e depois pudesse decidir não criar o conjunto das três bananas. Criar cada uma das bananas é eo ipso criar o conjunto das três bananas, e explicar a existência de cada uma das três bananas é explicar a existência do conjunto das três bananas.
A estratégia de Leibniz, note-se, é admitir a possibilidade de uma série infinita na qual cada membro é explicado por outro membro anterior. A ideia é mostrar que mesmo admitindo tal possibilidade, não teríamos uma explicação da realidade alternativa à explicação supostamente dada por Deus. Dado que o seu argumento está errado, resta-lhe negar a possibilidade de uma série infinita na qual cada membro seja explicado por outro membro anterior. Mas isso exige um argumento diferente.

Desidério Murcho
Universidade Federal de Ouro Preto