O campo ético é, portanto, constituído por dois pólos
internamente relacionados: o agente ou sujeito moral e os valores morais ou
virtudes éticas. Do ponto de vista do agente ou sujeito moral, a ética faz uma
exigência essencial, qual seja a diferença entre passividade e atividade.
Passivo é aquele que se deixa governar e arrastar por seus impulsos,
inclinações e paixões, pelas circunstâncias, pela boa ou má sorte, pela opinião
alheia, pelo medo dos outros, pela vontade de um outro, não exercendo sua
própria consciência, vontade, liberdade e responsabilidade. Ao contrário, é
ativo ou virtuoso aquele que controla interiormente seus impulsos, suas
inclinações e suas paixões, discute consigo mesmo e com os outros o sentido dos
valores e dos fins estabelecidos, indaga se devem e como devem ser respeitados
ou transgredidos por outros valores e fins superiores aos existentes, avalia
sua capacidade para dar a si mesmo as regras de conduta, consulta sua razão e
sua vontade antes de agir, tem consideração pelos outros sem subordinar-se nem
submeter-se cegamente a eles, responde pelo que faz, julga suas próprias
intenções e recusa a violência contra si e contra os outros. Numa palavra, é
autônomo. Do ponto de vista dos valores, a ética exprime a maneira como a
cultura e a sociedade definem para si mesmas, o que julgam ser a violência e o
crime, o mal e o vício e, como contrapartida, o que consideram ser o bem e a
virtude. Por realizar-se como relação intersubjetiva e social, a ética não é
alheia ou indiferente às condições históricas e políticas, econômicas e
culturais da ação moral. Consequentemente, embora toda ética seja universal do
ponto de vista da sociedade que a institui (universal porque seus valores são
obrigatórios para todos os seus membros), está em relação com o tempo e a
História, transformando-se para responder a exigências novas da sociedade e da
Cultura, pois somos seres históricos e culturais e nossa ação se desenrola no
tempo. Além do sujeito ou pessoa moral e dos valores ou fins morais, o campo
ético é ainda constituído por outro elemento: os meios para que o sujeito
realize os fins. Costuma-se dizer que os fins justificam os meios, de modo que,
para alcançar um fim legítimo, todos os meios disponíveis são válidos. No caso
da ética, porém, essa afirmação deixa de ser óbvia. Suponhamos uma sociedade
que considere um valor e um fim moral a lealdade entre seus membros, baseada na
confiança recíproca. Isso significa que a mentira, a inveja, a adulação, a
má-fé, a crueldade e o medo deverão estar excluídos da vida moral e ações que
os empreguem como meios para alcançar o fim serão imorais. No entanto, poderia
acontecer que para forçar alguém à lealdade seria preciso fazê-lo sentir medo
da punição pela deslealdade, ou seria preciso mentir-lhe para que não perdesse
a confiança em certas pessoas e continuasse leal a elas. Nesses casos, o fim –
a lealdade – não justificaria os meios – medo e mentira? A resposta ética é:
não. Por quê? Porque esses meios desrespeitam a consciência e a liberdade da
pessoa moral, que agiria por coação externa e não por reconhecimento interior e
verdadeiro do fim ético. No caso da ética, portanto, nem todos os meios são
justificáveis, mas apenas aqueles que estão de acordo com os fins da própria
ação. Em outras palavras, fins éticos exigem meios éticos. A relação entre
meios e fins pressupõe que a pessoa moral não existe como um fato dado, mas é
instaurada pela vida intersubjetiva e social, precisando ser educada para os
valores morais e para as virtudes. Poderíamos indagar se a educação ética não
seria uma violência. Em primeiro lugar, porque se tal educação visa a
transformar-nos de passivos em ativos, poderíamos perguntar se nossa natureza
não seria essencialmente passional e, portanto: forçar-nos à racionalidade
ativa não seria um ato de violência contra a nossa natureza espontânea? Em
segundo lugar, porque se a tal educação visa a colocar-nos em harmonia e em
acordo com os valores de nossa sociedade, poderíamos indagar se isso não nos
faria submetidos a um poder externo à nossa consciência, o poder da moral social.
Para responder a essas questões precisamos examinar o desenvolvimento das ideias
éticas na Filosofia.
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