Para que haja conduta ética é preciso que
exista o agente consciente, isto é,
aquele que conhece a diferença entre bem e mal, certo e errado,
permitido e proibido, virtude e vício. A
consciência moral não só conhece tais diferenças, mas também reconhece-se como capaz de julgar o valor dos
atos e das condutas e de agir em
conformidade com os valores morais, sendo por isso responsável por suas
ações e seus sentimentos e pelas consequências do que faz e sente. Consciência
e responsabilidade são condições indispensáveis da vida ética.
A consciência moral manifesta-se, antes de
tudo, na capacidade para deliberar
diante de alternativas possíveis, decidindo e escolhendo uma delas antes
de lançar-se na ação. Tem a capacidade para avaliar e pesar as motivações
pessoais, as exigências feitas pela
situação, as consequências para si e para os outros, a conformidade entre meios e fins (empregar
meios imorais para alcançar fins morais é impossível), a obrigação de respeitar
o estabelecido ou de transgredi-Io (se o
estabelecido for imoral ou injusto).
A vontade é esse poder deliberativo e
decisório do agente moral. Para que exerça
tal poder sobre o sujeito moral, a vontade deve ser livre, isto é, não
pode estar submetida à vontade de um outro nem pode estar submetida aos
instintos e às paixões, mas, ao contrário, deve ter poder sobre eles e
elas. O campo ético é, assim,
constituído pelos valores e pelas obrigações que formam o conteúdo das condutas morais, isto é, as
virtudes. Estas são realizadas pelo sujeito moral, principal constituinte da
existência ética. O sujeito ético ou moral, isto é, a pessoa, só pode existir
se preencher as seguintes condições:
·
Ser consciente de si e dos outros, isto
é, ser capaz de reflexão e de reconhecer a
existência dos outros como sujeitos éticos iguais a ele;
·
Ser dotado de vontade, isto é, de
capacidade para controlar e orientar desejos,
impulsos, tendências, sentimentos (para que estejam em conformidade com
a consciência) e de capacidade para deliberar e decidir entre várias
alternativas possíveis;
·
Ser responsável, isto é, reconhecer-se
como autor da ação, avaliar os efeitos e consequências dela sobre si e sobre os
outros, assumi-la bem como às suas consequências, respondendo por elas;
·
Ser livre, isto é, ser capaz de
oferecer-se como causa interna de seus sentimentos atitudes e ações, por não estar submetido a
poderes externos que o forcem e o constranjam a sentir, a querer e a fazer
alguma coisa. A liberdade não é tanto o poder para escolher entre vários
possíveis, mas o poder para autodeterminar-se, dando a si mesmo as regras de
conduta.
O campo ético é, portanto, constituído por
dois pólos internamente relacionados: o
agente ou sujeito moral e os valores morais ou virtudes éticas. Do ponto
de vista do agente ou sujeito moral, a ética faz uma exigência essencial, qual
seja, a diferença entre passividade e atividade. Passivo é aquele que se deixa
governar e arrastar por seus impulsos, inclinações e paixões, pelas
circunstâncias, pela boa ou má sorte,
pela opinião alheia, pelo medo dos outros, pela vontade de um outro, não
exercendo sua própria consciência,
vontade, liberdade e responsabilidade.
Ao contrário, é ativo ou virtuoso aquele que controla interiormente seus
impulsos, suas inclinações e suas
paixões, discute consigo mesmo e com os outros o sentido dos valores e dos fins estabelecidos, indaga
se devem e como devem ser respeitados ou
transgredidos por outros valores e fins superiores aos existentes,
avalia sua capacidade para dar a si
mesmo as regras de conduta, consulta sua razão e sua vontade antes de agir, tem consideração pelos
outros sem subordinar-se nem submeter-se cegamente a eles, responde pelo que
faz, julga suas próprias intenções e
recusa a violência contra si e contra os outros. Numa palavra, é
autônomo*.
Do ponto de vista dos
valores, a ética exprime a maneira como a cultura e a sociedade definem para si
mesmo o que julgam ser a violência e o crime, o mal e o vício e, como contrapartida,
o que consideram ser o bem e a virtude. Por realizar-se como relação intersubjetiva e social, a ética
não é alheia ou indiferente às condições históricas e políticas, econômicas e
culturais da ação moral.
Consequentemente, embora toda ética seja universal do ponto de vista da
sociedade que a institui (universal porque seus valores são obrigatórios para
todos os seus membros), está em relação
com o tempo e a História, transformando-se para responder a exigências novas da
sociedade e da Cultura, pois somos seres históricos e culturais e nossa ação se
desenrola no tempo. Além do sujeito ou
pessoa moral e dos valores ou fins morais, o campo ético é ainda constituído
por um outro elemento: os meios para que o sujeito realize os fins. Costuma-se dizer que os fins justificam os
meios, de modo que, para alcançar um fim legítimo, todos os meios disponíveis
são válidos. No caso da ética, porém, essa afirmação deixa de ser óbvia. Suponhamos uma sociedade que considere um
valor e um fim moral a lealdade entre
seus membros, baseada na confiança recíproca. Isso significa que a mentira,
a inveja, a adulação, a má-fé, a
crueldade e o medo deverão estar excluídos da vida moral e ações que os empreguem como meios
para alcançar o fim serão imorais. No entanto,
poderia acontecer que para forçar alguém à lealdade seria preciso fazê-lo sentir medo da punição pela
deslealdade, ou seria preciso mentir-lhe para que não perdesse a confiança em
certas pessoas e continuasse leal a elas. Nesses casos, o fim - a lealdade -
não justificaria os meios - medo e mentira? A resposta ética é: não. Por quê?
Porque esses meios desrespeitam a consciência e a liberdade da pessoa moral,
que agiria por coação externa e não por reconhecimento interior e verdadeiro do
fim ético. No caso da ética, portanto,
nem todos os meios são justificáveis, mas apenas aqueles que estão de acordo com os fins da
própria ação. Em outras palavras, fins éticos exigem meios éticos. A relação entre meios e fins pressupõe que a
pessoa moral não existe como um fato dado, mas é instaurada pela vida
intersubjetiva e social, precisando ser educada para os valores morais e para
as virtudes. Poderíamos indagar se a
educação ética não seria uma violência. Em primeiro lugar, porque se tal
educação visa a transformar-nos de passivos em ativos, poderíamos perguntar se
nossa natureza não seria essencialmente passional e, portanto, forçar-nos à
racionalidade ativa não seria um ato de violência contra a nossa natureza
espontânea? Em segundo lugar, porque se a tal educação visa a colocar-nos em
harmonia e em acordo com os valores de nossa sociedade, poderíamos indagar se
isso não nos faria submetidos a um poder externo à nossa consciência, o poder
da moral social. Para responder a essas questões precisamos examinar o
desenvolvimento das ideias éticas na Filosofia.
* A palavra autônomo
vem do grego: autos (eu mesmo, si mesmo) e nomos (lei, norma, regra). Aquele
que tem o poder para dar a si mesmo a regra, a norma, a lei é autônomo e goza
de autonomia ou liberdade. Autonomia significa autodeterminação. Quem não tem a
capacidade racional para a autonomia é heterônomo. Heterônomo vem do grego:
hetero (outro) e nomos; receber de um outro a norma, a regra ou a lei.
(retirado de Convite à
Filosofia - De Marilena Chauí - Ed. Ática, São Paulo, 2000)
3 comentários:
concordo com tudo mas acho que esta tudo errado !
http://www.memelinks.com/nemly-e-nemlerey-2.jpg?y
Felipe qual seu celular? É a márcia da farmácia aqui, beijos precisamos conversar sobre nós dois em
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